quinta-feira, 19 de maio de 2016

Perdas e Danos. Um filme moralmente nojento e psicologicamente poético.


Interessante como existem obras que têm o poder de tornar poético, lírico e fascinante o que é moralmente proibido, para não dizer repugnante.

Esta é a simples, e também complexa, visão que tive logo após assistir este filme Perdas e Danos [em inglês, “Damage”], lançado no cinema em 1992, dirigido por Louis Malle, com roteiro de David Hare e Josephine Hart, tendo como intérpretes dos protagonistas, os atores Jeremy Irons (conhecido pela atuação nos filmes "O homem da Máscara de Ferro" e "Lolita") e Juliette Binoche (lembrada pelos papeis em "O morro dos ventos uivantes" e "O paciente inglês").

A história, apesar de parecer clichê, possui uma série de significados ocultos, se assim posso dizer. "Perdas e Danos" nos apresenta um modo diferente de se apaixonar, e de como transformar completamente as vidas daqueles que se entregam a esta louca emoção.

Neste momento, eu coloco o dedo na ferida, pois aqui justifico minha afirmação inicial sobre a existência de obras que têm o poder de tornar poético algo moralmente nojento. 


A sinopse do filme é simples: "Stephen Flemming (interpretado por Jeremy Irons) é um respeitado membro do parlamento britânico que se apaixona pela noiva do filho, Anna (interpretada por Juliette Binoche). Entre os dois há uma forte atração sexual, uma obsessão, e eles começam a ter um caso. Anna não está disposta a abrir mão do noivo, e Stephen altera sua rotina para estar com ela em seus encontros furtivos. Eles sabem o quanto este relacionamento pode abalar as pessoas que amam e destruir suas vidas, mas a paixão parece ser mais forte que a razão".

Após ler as palavras acima, contidas na sinopse do filme, já dá para ter uma ideia do que eu quero dizer com "moralmente nojento", pois o longa-metragem está repleto de cenas em que Stephen e Anna se relacionam bem debaixo do nariz de Ingrid (esposa de Stephen e futura sogra de Anna) e  Martyn (filho de Stephen e noivo de Anna). Então, onde poderia estar o lado poético e lírico do filme? Respondo: no paradoxo entre a sutileza da genialidade psicológica abordada e a complexidade de sua percepção.

Este filme, com certeza, é uma obra de arte, ante esta complexidade oculta. Isto porque, um olhar superficial sobre o longa-metragem não é capaz de absorver a profundidade implícita que, a meu ver, existe no roteiro: os sentimentos conturbados e as distorções doentias destes que o protagonista Stephen Flemming vive tão costumeiramente dia a dia, sem nem ao menos perceber.

Claro, tal distorção de sentimento e desejo é explicitada em um contexto exagerado, em uma situação que, aparentemente, seria extrema demais.

Stephen Flemming é, na história, o reflexo do espectador. Eu interpreto a genialidade da obra desta forma: Stephen é o tipico homem que tem a vida dos sonhos, com dinheiro a vontade, família perfeita e que se julga completamente feliz e realizado. Nada lhe falta, até Anna chegar em cena. Sem motivo aparente, o corpo de Stephen é totalmente hipnotizado pelo de Anna, como se acordasse de um transe ou entrasse em um.

Percebam, eu digo "corpo", porque não acredito que tenha havido amor entre Anna e Stephen, detalhe bem especificado na sinopse do filme, quando é dito que eles vivem "uma forte atração sexual", uma "obsessão". E é isso mesmo, uma obsessão, e não por sexo, mas por autoconhecimento. Digo isso totalmente com base na ultima fala de Stephen no filme, quando ele diz o seguinte:

“Levamos pouquíssimo tempo para nos afastarmos do mundo. Eu viajei até chegar à minha própria vida. O que faz de nós, o que somos, é inalcançável, é incompreensível. Nos entregamos ao amor, pois isso nos dá uma noção do que é incompreensível. Nada mais importa... não, no fim”.


A cena final do filme (foto acima) é extremamente complexa de se entender um primeiro olhar superficial. Stephen encara uma foto ampliada de Anna, a qual demonstra sua vida dual, vivendo entre o amor de Martyn e a atração de Stephen. Acredito que Anna tenha amado verdadeiramente Martyn e sentido uma atração sexual verdadeira por Stephen, mas não pôde ser ela mesma com nenhum dos dois, por isto, está olhando diretamente para a câmera fotográfica. Stephen, por sua vez, na foto, está olhando para Martyn, demonstrando sua inclinação de culpá-lo por não ter Anna completamente para si. E, Martyn, olha fixamente para Anna, nutrindo o amor e admiração que sente por ela, além de demonstrar sua ignorância quanto ao relacionamento que a mesma mantém com seu pai. 

Durante o filme, muitas cenas acontecem sem explicação aparente. Não se entende o porquê, por exemplo, da intensa atração que Stephen sente por Anna, ou do terrível ciúme que o mesmo sente dela. O diretor e roteirista deste filme não se preocupam nenhum pouco com explicações; e isto é ótimo. Certas coisas não acontecem em nossas vidas mediante esclarecimentos prévios, simplesmente acontecem. Aí está a poesia da coisa. Daí porque as últimas palavras do protagonista Stephen Fleming, transcritas acima, são cruciais para entender o “sentido” da obra.

Passamos a vida toda vivendo o que dizem para vivermos. O que melhor comer, vestir, assistir, estudar... ditando o melhor modo de VIVER. Será que nossas escolhas são realmente nossas? Será que tudo o que fazemos na vida está respaldado por nossos sentimentos e anseios mais profundos e, por que não dizer, aqueles inteiramente nossos? Mas... como viver esta premissa se não conhecemos a nós mesmos em tal profundidade?


Há muitas opiniões totalmente diferente da minha, realizando uma análise quase que totalmente negativa do filme, com muitas críticas quanto à frieza dos personagens, pouco explicação quanto aos verdadeiros sentimentos dos protagonistas e o motivo que os levam a realizar verdadeiras loucuras. Além disso, não dá para negar que exitem cenas de sexo totalmente esquisitas, com posições que dá vontade de rir, chegando até a causar uma certa agonia, mas, quem sabe não foi exatamente esta a sensação que o diretor queria causar no espectador. A intensão era, por mais que no final não tenha sido, de fazer um filme impactante, senão pelo roteiro, pelas cenas sexuais, que, em 1992, repercutiam de outra forma na sociedade.

Provavelmente as pessoas por trás das câmeras não tinham a intenção de dizer aos espectadores tudo isto que aqui escrevo, e com certeza não da mesma maneira, mas não posso deixar de registrar a surpreendente reação e reflexão que subitamente veio a minha mente após ter a experiência de ver este maravilhoso filme.

Portanto, deixo bem claro que estas considerações que aqui expresso não são absolutas, são apenas a visão que eu tenho do filme após assisti-lo, as quais tirei, quase que inteiramente, após a ultima fala do personagem Stephen. Achei muito profundo o que ele disse, e, sinceramente, tive que ler aquelas palavras mais de 20 vezes para capitar o seu real sentido. Por isso digo que não é uma obra simples de se entender.

Tenho vontade de ler o livro que deu origem ao filme para saber melhor se esta complexidade psicológica advém do livro ou do roteiro. Para que tiver curiosidade, o livro também é intitulado "Perdas e Danos", e foi escrito por Josephine Hart, e está disponível no Brasil pela editora Record.

Edição de Bolso de 2007 da editora Record (BestBolso), do livro "Perdas e Danos". 

11 comentários:

  1. Assisti esse filme a mil anos atrás, e hoje reassistindo tive melhor interpretação e despertou me também a imensa vontade de pesquisar sobre. Entre Wikipédia e nela a informação de cenas cortadas por censura, dei com sua crítica/análise. Adorei! Parabéns! Também despertei desejo de assistir outras obras do diretor e ler o livro.
    Assisti também a muito tempo atrás Prety Baby, mas não lembro direito e estou a procurar. Obrigada por ampliar minha visão e também confesso que voltei duas vezes a parte final, a última fala de Stephen.

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    1. Acredito que sempre que reassistimos um filme ou relemos um livro temos uma experiência totalmente nova. Isso mostra o motivo pelo qual o cinema e a literatura são obras de arte, pois sempre estão dialogando conosco, em qualquer momento de nossas vidas e por isso sempre a vemos de modos diversos e por ângulos totalmente novos, mesmo depois de assistir/ler várias vezes a mesma obra.
      Fico feliz que tenha gostado do meu texto e sinta-se a vontade para falar mais sobre o filme Prety Baby aqui nos comentários, caso já tenha conseguido assistir a este filme.
      Abraço!

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  2. Gostei muito da sua crítica e das suas colocações. Os destaques que você fez são muito pertinentes e valiosos. Parabéns. Fiz esta semana uma postagem no meu blog Verdades de um Ser sobre este filme. Será um prazer ler o que você achou sobre ela nos comentários.
    http://verdadesdeumser.com.br

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    1. Olá Alberto! Acabei de ler seu texto no seu blog e já fiz um comentário lá!
      Muito obrigada pela indicação, gostei bastante da sua visão do filme.
      E obrigada pelo seu comentário aqui no meu post, fico feliz que você também gostou das minhas considerações sobre esse filme maravilhoso.

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  3. sua análise é muito pertinente! mas há um componente destrutivo nesse relacionamento erótico, não posso negá-lo. Esse componente destrutivo, competitivo com o filho pela parte do pai e destrutivo pela parte da noiva talvez seja o que a frase final revela o aspecto monstruoso e poético desse amor proibido:
    "Levamos pouquíssimo tempo para nos afastarmos do mundo. Eu viajei até chegar à minha própria vida. O que faz de nós, o que somos, é inalcançável, é incompreensível. Nos entregamos ao amor, pois isso nos dá uma noção do que é incompreensível. Nada mais importa... não, no fim”.

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    1. Olá, obrigada pelo comentário, fico feliz que tenha gostado do texto.
      Como disse no post, essa última frase do filme foi o que mais me impactou (combinada com os olhares da foto), pois toda aquela agonia que eu senti durante todo o filme foi abrandada com essa cena final.
      O autoconhecimento sempre será doloroso, porém é doloroso para cada um em sua única maneira. Para Stephen, sua família e Anna, esse processo teve que acontecer externamente para atingir o interior de cada um deles, mudando-os completamente depois de tanto sofrimento. Para outros, o encontro interno pode acontecer primeiro, a fim de que seja evitado a demasia do sofrimento externo, porém demanda coragem e vencer a resistência.
      Portanto, no frigir dos ovos, esse filme nos mostra a consequência de certas pressões psicológicas que temos que enfrentar durante a vida, mas, claro, de uma maneira moralmente repugnante, a fim de causar o rebuliço necessário no expectador.
      Enfim, obrigada por ter sido minha análise e por seu comentário.

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  4. Alguém saberia me informar aonde consigo assistir a esse filme?

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    1. Olá! Infelizmente acredito que não está disponível em nenhuma plataforma de streaming atualmente, mas é possível encontrar o DVD para comprar no Mercado Livre.

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    2. Olá, vi que tem na plataforma de streaming "Belas Artes à La Carte", vou deixar o link aqui caso se interesse: https://www.belasartesalacarte.com.br/videos/13-08-damage-english-1920x1080-185-24p

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