sábado, 14 de maio de 2016

I'm here. Conheça uma das facetas sentimentais de Spike Jonze.


Em 2010, o diretor, produtor e roteirista de cinema e vídeos musicais Spike Jonze lançou ao público um curta metragem que tem o poder de emocionar até o mais rígido dos corações, intitulado "I'm Here", em português ,"Estou Aqui".

Aviso, desde já, que darei minha opinião sobre este curta-metragem e, para que tal análise não acabe por ser superficial demais, acabarei por dar alguns spoilers.

Então, considerando que o curta tem apenas 30 minutos de duração, recomendo que o leitor procure o mesmo e o veja antes de ler esta postagem. Se você já viu, tanto melhor, pois estou aqui para dar as boas-vindas ao blog com a análise de uma obra extremamente linda.

Nesta história, um robô simpático e melancólico nos mostrará como o sentimento pode brotar de qualquer lugar e fazer com que o amor, o sentimento de doação e completude pessoal podem nos fazer esquecer a aparência de lata e pensarmos somente num coração amoroso e delicado.

Sheldon é um excelente membro da sociedade. Exerce a função para qual foi projetado de maneira exemplar. Nunca reclama ou admite para si a monotonia de sua vida. Isto, nada poderia gerar senão uma profunda tristeza quanto sua própria vida, dor esta que Sheldon tentava abafar com sua simpatia e boa educação para com os demais, mas que, não por muito tempo, pode ser escondida de si mesmo.

Este curta-metragem nos conta a história de Sheldon e, no menor dos elogios, posso dizer de boca cheia que é realmente genial, pois tem a capacidade de influenciar na interpretação do espectador de modo PESSOAL. Ou seja, quando você acaba de assistir o curta, começa a pensar... será que EU sou mais parecido(a) com Sheldon ou com seu par romântico, Francesca?

Para quem insiste em ler este post sem ter visto o curta-metragem antes, darei um resumo muito básico da história: Sheldon, após nos ser apresentado durante a vivência e um de seus dias melancólicos, mergulhado na solidão, conhece Francesca, uma também robô, mas geniosamente diferente dos demais. Ela é corajosa, aventureira, sonhadora!, tudo o que Sheldon jamais ousou em ser, mas que instantaneamente admirou em Francesca, ao ponto de amá-la incondicionalmente.

Esse amor lhe custou sua carcaça, sem corpo material, em prol da proteção da existência de Francesca, que, na cabeça e no sentimento de Sheldon, valia mais do que sua própria vida. Sheldon não morreu após doar todas as peças de seu corpo para salvar Francesca da estranha perda de peças que ela estava sofrendo, mas que será difícil de viver só com a cabeça (literalmente), isso ninguém pode negar!



Mas porque digo que esta é uma obra que tem o poder de influenciar as pessoas? Respondo: porque é totalmente instigante à reflexão interna.

Ouso pensar que, se o espectador já “se doou” incondicionalmente em um relacionamento amoroso, e se arrependeu disso posteriormente, provavelmente pensará em Sheldon como um “trouxa” ou “idiota”, mas, no fundo, sabe que esse xingamento não será para o Sheldon, mas sim para aquele que assim o julgou.

Contudo, penso também que, se o espectador somente “levou patada” nos relacionamentos, ou sempre esperou algo de grandioso vindo do parceiro e isto jamais aconteceu, Sheldon será seu mais novo ídolo, um “verdadeiro exemplo de amor” ou o “amor puro”.

Claro, não posso deixar de mencionar Francesca, o par romântico de Sheldon, que foi considerada, por muitos internautas (pois somente li a opinião deles), como egoísta ou sem amor, por ter deixado Sheldon se acabar (corporalmente).



Tiro essas conclusões de mim e de vários comentários e críticas que li na internet. Sim, estou julgando os outros, mas também eu mesma. Minha intenção é apenas escrever as reflexões que acabei tendo após ler tantas opiniões, posso dizer, diferentes.

Com certeza a grande maioria AMOU o curta, porque, realmente, ele é de ótima qualidade, tanto de gravação, fotografia, atuação, ambientação, como em história e capacidade de tocar nos sentidos das pessoas, sejam estes bons ou ruins.

Além disso, como já disse antes, assisti-lo sem acabar tendo uma reflexão posterior se mostra quase impossível, sejam essas reflexões, repito, contrárias ou a favor do desenrolar da história.

Sim, Sheldon se doou demais. Sim, Francesca deixou ele se doar demais. Sim, o amor é muito intenso, muito mais VISÍVEL em Sheldon do que em Francesca.

Mas, pensem bem, como poderia Francesca reagir após uma demonstração de amor obsessivo como a do Sheldon? Coloco-me muitas vezes na situação da Francesca e vejo como é difícil para ela dizer não. A parte introdutória do filme é essencial, ao meu ver, para entender o porquê Sheldon de doar tanto no relacionamento. Antes de conhecer Francesca, Sheldon apenas vivia sua rotina melancólica, tendo, talvez, lá no fundinho de suas entranhas robóticas, uma vontade de fazer algo diferente, de ser alguém diferente. Mas, a princípio, não tem coragem ou motivo para SER diferente.

Então, Francesca aparece em sua vida, de um modo “corajoso” por assim dizer, dirigindo um carro, coisa que só humano pode fazer, como deixou bem claro a velinha chata do ponto de ônibus. Francesca despertou algo em Sheldon, que eu entendo por “vontade de viver”.


Com certeza EU teria dificuldade em viver sabendo que minha existência custou todo o corpo do meu amor, no caso do filme, do Sheldon. Mas pensem Sheldon, como ELE viveria se perdesse Francesca? Isso é falta de amor próprio ou excesso de amor alheio? Isso é amor verdadeiro? Não sei a resposta correta, pois não sou dona da verdade. Cada relacionamento tem a sua verdade. Cada verdade é relativa para que a pensa ou a defende.

O “sonho” de Sheldon se realizando ao entregar sua perna (e depois o corpo todo) para Francesca não poderia ser considerado a maior conquista de sua felicidade? Ter salvado a vida da única pessoa que ama no mundo não poderia ser considerada aquela felicidade intensa e inexplicável que praticamente todo mundo busca na vida? Para mim faz muito sentido o que Sheldon fez, apesar de por muitos ângulos eu não concordar. Mas, o contexto da vida que ele levava SEM a Francesca, torna claro o PORQUÊ dele se doar por inteiro por ela; porque somente com ELA a vida dele tem SENTIDO.

Intrigante isto, e realmente comum em muitos relacionamento humanos, e, como cada ser humano é diferente um do outro, acaba por ter inúmeras consequências diversas nos relacionamentos, como, por exemplo: ciúme excessivo (você não vive sem aquela pessoa, então tem medo de perdê-la); relacionamento feliz (pode ambos os parceiros se doarem um para o outro, então o egoísmo não atrapalhará); relacionamento desequilibrado (um se doa muito e o outro se aproveita disso); relacionamento doentio (toda a vida de um é pautada pela do outro); exemplo de crescimento (comoção do parceiro diante da bondade do outro, fazendo com que haja crescimento pessoal); dentre inúmeras outras variações, que somente o ser humano, com sua complexidade aparentemente infinita, pode criar.

 
Enfim, Sheldon e Francesca são o retrato singular destas inúmeras variações de relacionamentos, pois no filme somente é retratado a doação em si, mas não suas consequências propriamente ditas. O momento "pós-doação" é deixado em aberto, portanto, não se sabe se a atitude de Sheldon trouxe benefícios ou malefícios para seu relacionamento com Francesca, fazendo com que a interpretação se torne abrangente e, como disse no início, pessoal, porque nossas experiências de vida/amorosas, como espectadores da história de Sheldon e Francesca, acabam por se tornar o momento "pós-doação" não abordado no filme.

Acredito que seja por esta razão que este curta trouxe tantos sentimentos diversos para as diferentes pessoas, com diferentes experiências de vida, que o assistiriam.

Assim sendo, escrevo novamente o quanto é brilhante este curta-metragem por trazer à tona esta vasta quantidade de reflexões, devaneios e divagações sobre as relações e sentimentos que, por várias vezes, jamais poderão ser expressos em palavras do mesmo modo fácil, e também complexo, como são sentidos.

2 comentários: